Lembrar lêr
Sentei-me a escrever. Estava a caminho de casa e não consegui pensar em mais nada senão como fazer para me lembrar do que pensava quando chegasse a casa e me sentasse. Repeti o pensamento uma e outra vez. Dizia-o em voz alta para dentro de mim, porque se quisermos conseguimos falar connosco sem sair um único tom audível aos outros, sem mexer os lábios ou mover a língua. Mas dentro de mim, ouvia-me. E o som era suave para que pudesse associar a algo de bom. Quando me perdia no pensamento e o meu discurso interno se quebrava, concentrava-me ainda mais para conseguir encontrar o alinhamento do raciocínio e com isso a premissa anterior e seguinte do mesmo. Entrei pela porta de casa, fiz uma festa instintiva à cadela dirigi-me ao quarto para pegar no caderno e na caneta e fui até à sala. Sentei-me nas almofadas, abri o caderno na primeira página vazia de escrita, pressionei o topo da caneta para a ponta borrada sair do corpo que a protegia e debrucei-me sobre a mesa.
Já há algum tempo que ando a pensar na razão desta nova necessidade. A necessidade de escrever. Penso também nos motivos que me terão levado a querer partilhar o que escrevo, mas sobre tal complexidade faço apenas algumas incursões esporádicas. Acredito que só o poderei fazer quando conseguir saber, ou achar que sei, porque escrevo. A necessidade que não compreendo mas à qual já me habituei é a de ter que saber o porquê das coisas. A necessidade do conhecimento, especialmente do que se refere a mim e ao meu pensamento.
Enquanto escrevo não penso sobre as razões que me levaram a escrever. Quando a tinta da caneta começa a escorregar sobre a folha de papel perco o controle das razões e ganho a capacidade de colocar em grafia aquilo que está a passar pelo meu consciente. Uma espécie de registo do pensamento. Informação desconexa unida pelo poder das palavras. A experiência na escrita permite ligar e resumir ideias tornando assim mais fácil a sua compreensão futura. Por mim, e pelos outros. Mas pensar nos outros enquanto escrevo é uma tarefa mais árdua; normalmente só o faço quando releio o que escrevi. Nesse instante dedico-me à tentativa de me proteger do meu próximo pensamento e no impacto que este poderá ter nos leitores.
Escrevo para que os pensamentos que tenho não caiam no buraco negro do esquecimento. Por isso criei esta dependência de registar as ideias que atravessam a minha mente. Para me lembrar deles. Ao partilhá-lo fico vulnerável. O leitor poderá conseguir ler o que escrevo mas também ler-me a mim. Por isso codifico o texto para que ele entenda o que quiser mas só eu saiba o que realmente penso.
Como por exemplo agora, que nem em casa estou.
4 comentários:
mas era em casa a escrever onde querias estar? :)
Recordo-me de ter lido um dos primeiros textos de henry miller em que este retratava a escrita de uma forma parecida com a tua :)
Mas o teu final ele não o tinha ...brilhante :D
Com o passar dos anos e dos livros começou a aperceber-se o que significava a palavra arte... penso que estás no mesmo caminho :)
mas nao te percas por aí por esse caminho de cabras
De facto a tua falta de memória não podia ter te levado para um caminho melhor ;)
desculpa a pergunta, não quero mesmo ofender, mas este texto é mesmo teu? Se sim, estás definitivamente no bom caminho - finalmente um Eng que sabe escrever - e bem! ;)
texto longo
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