Um Adeus Desconhecido
Existe uma comunidade de formigas a viver sobre o mesmo tecto que eu. Tecto salarial, inclusivé, pois toda a sua subsitência em matéria de recursos depende das minhas posses. Não sei de que sobreviveriam elas aquando da minha partida, mas enquanto estivessem sob a minha responsabilidade (que me é imposta pela legislação em vigor sobre animais de estimação) deveria tomar as providências necessárias para a sua sobrevivência em condições dignas e respeitantes dos direitos naturais. Em contrapartida estas deveriam mostrar a sua gratidão e obedecer às regras por mim impostas.
Tem sido extremamente dificil, confesso, ensinar respeito e admiração a estas pobres criaturas que tanto se mostram inteligentes e capazes como de seguida estúpidas e atónitas.
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O tempo estava ameno quando saí de casa e nada faria prevêr a súbita alteração climatérica que decorreu aproximadamente à hora de almoço, hora essa que se observa diáriamente no fluxo de saída de humanos dos seus escritórios e entrada dos mesmos em estabelecimentos ditos de restauração, embora defira na classe social e operária das ditas - ainda me lembro quando a minha hora de almoço, assim como de todos aqueles que partilhavam comigo a sua classe social de parasitas e operando nas próximidades de universidades, se estendia entre as três e as cinco da tarde. Como pessoa respeitadora das minhas obrigações tinha deixado propositadamente restos de comida nos pratos em dose suficiente para o sustento da família de formicídeos.
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Qual não foi o meu espanto e indignação quando ao chegar a casa depois de um dia de trabalho para sustentar todos aqueles que comigo coabitam, ao me aperceber do motim, da festa, do desplante que aquela insecta sociedade cigana se apoderou não só do provimento alimentar deixado na banca, assim como o da seccção da padaria e esse eu até compreendo devido à proximidade das divisões e nem o pão que o diabo amassou se deva recusar a qualquer alma por pequena que seja, mas estas alminhas que não se contentam com pão e água lá foram, pão, pão, queijo, queijo e lá estavam elas aos pães de acúcar por por todo lado.
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Foi o massacre, o extermínio desta sub-espécie. Com todas as minhas poucas energias ainda resistentes de um dia de exploração laboral, atirei-me a elas no sentido figurado pois o que se lhes atirou foram copos de água e gaz mortífero. Não sobrou uma para contar a história a outras que poderiam vir a ocupar o lugar destas. E com isto não consegui ensinar-lhes nada, bem sei. Mas a mais não me sinto obrigado. Elas também não se aperceberam sequer da minha existência, ou se por acaso o imaginaram através das suas antenas não me conseguiram mostrar que sacrificavam em meu nome, que respondiam pelos meus ensinamentos, que aprendiam. Eu era o deus delas, e não lhes perdoei esta rebeldia por muito que até achassem que eu tinha sido o deus amigo que por amor a elas e aos seus sacrifícios lhes oferecera tais banquetes. Estavam erradas. Pisaram a linha. Abusaram. Adeus!
1 comentário:
brilhante :)
quando chegar aposto que elas já comem é na sala.
queres que compre alguma coisa aqui nos indianos? ;) abraço
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